Poetisa Portuguesa |
Aniversário
Sentei-me com um copo em restos de
champanhe a olhar o nada.
Entre crianças e adultos sérios
Tive trinta em casa.
Será comovedor os quatro anos
e a festa colorida
as velas mal sopradas entre um rissol
no chão e os parabéns:
quatro anos de vida.
Serão comovedores os sumos de
laranja concentrados (proporções
por defeito) e os gostos tão
diversos, o bolo de ananás,
os pés inchados.
Será soberbamente comovente
toda a gente cantando,
o mau comportamento dos adultos
conversas-gelatinas e os anos
só pretexto.
Mas eu gostei. E contra mim gostei
mesmo no resto:
este prazer pequeno do silêncio
um sapato apertando descalçado
guardanapo e rissol por arrumar
no chão e um copo
olhando o nada
em restos de champanhe
Ana Luísa Amaral |
A poesia de Ana Luísa Amaral (Lisboa, 1956) surge estruturada de um modo conscientemente casual, com um discurso narrativo-visual sem que por esse aspecto a poesia, e a sua finalidade própria e última, sejam postas em causa. Este primeiro sinal pode passar ao lado de muitos leitores mais ou menos atentos de poesia, mas parece-me determinante, até por aquilo que a poesia, nos últimos tempos, se transformou, não raras vezes com a sua base adulterada. É que a poesia (e o seu conceito), claro está, nunca esteve no domínio do discurso; pelo contrário, sempre foi superior a ele, sempre se prestigiou na comunicação subtil de uma semificção, na fidelidade da superação. Daí este parêntesis que serve de introdução, ressalvando que a base da poesia de Ana Luísa Amaral tem essa força de transformação da vida comum em algo maior, a concepção de fundir os elementos do quotidiano em ambientes de dupla-meditação: o do sujeito poético e do espaço onde ele se insere.
(Texto: Sylvia Beirute)
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